Crianças que mostram dificuldades com números podem sofrer de ansiedade matemática
Minha
filha Flora tinha apenas seis anos quando me contou que não conseguia
entender nada das aulas de matemática. Nós abordamos a questão na
reunião de pais seguinte, e nos foi assegurado que o desempenho dela
estava bom. Começamos a notar, porém, que Flora, às vezes, fazia
suposições completamente ilógicas ao tentar realizar somas básicas e era
facilmente confundida por qualquer coisa numérica.
Até Flora
mudar para uma nova escola, suas dificuldades não haviam sido
identificadas. Então, um abismo entre seu desempenho na alfabetização e
na matemática apareceu, nos fazendo suspeitar que ela poderia ter
descalculia, um tipo de dislexia com números. Nós a levamos a um
especialista, que deixou claro que, apesar de Flora não ter o problema,
sua matemática era muito fraca. Ela aconselhou que nossa filha não
tivesse aulas da disciplina em uma turma convencional. Em desespero,
fomos a um psicólogo e descobrimos que os problemas de Flora não eram
uma questão de capacidade, mas de ansiedade.
Acredita-se que a
ansiedade matemática, o sentimento de medo em relação a cálculos, afete
muitas crianças. O problema foi identificado pela primeira vez nos anos
1950, mas a maneira como seu impacto devastador afeta a performance só
ficou evidente agora. Pesquisadores da Universidade Stanford, nos EUA,
fizeram exames para ver o que acontece no cérebro de crianças com
ansiedade matemática. Descobriram que elas respondem aos cálculos da
mesma forma que pessoas com fobias costumam reagir a cobras ou aranhas,
mostrando aumento da atividade nos centros ligados ao medo. Isso, por
sua vez, provoca redução de atividade nas áreas responsáveis pela
resolução de problemas, tornando difícil chegar às respostas certas.
Vinod Menons, o professor que liderou o projeto, explica seu significado:
–
A pesquisa é importante por ser a primeira a identificar os fundamentos
neurológicos e de desenvolvimento da ansiedade matemática, e nossos
resultados têm implicações significativas para a identificação precoce e
o tratamento do problema. Também é importante porque mostra que a
ansiedade matemática nas crianças é real e precisa ser tratada se
persistir.
Não há ferramentas para estabelecer diagnósticos
formais. Além disso, dizer para uma criança que ela tem um problema pode
afetar ainda mais sua produtividade, de acordo com Mike Ellicock,
diretor-executivo da organização filantrópica National Numeracy:
–
Rotular e categorizar crianças entre os que podem e os que não podem
fazer cálculos não ajuda. Mas, com incentivo e apoio da maneira correta,
todos podem atingir um bom nível.
O fato de constantemente
enxergarmos a matemática como algo para poucos gênios também atrapalha. A
disciplina envolve respostas que são certas ou erradas, e métodos de
ensino centrados em respostas rápidas, aritmética mental e resoluções de
cálculos dadas em frente aos colegas são inúteis para os menos
confiantes. A maioria dos professores entende que a confiança é tão
importante quanto a competência quando se trata de matemática.
Tradução: Paloma Poeta
Exercícios de relaxamento
Especialistas
da área, como o professor David Sheffield, do Centro Universitário
Derby de Pesquisas Psicológicas, um dos maiores entendidos em ansiedade
matemática na Grã-Bretanha, acredita que o impacto do problema pode
durar a vida inteira. Então, o que fazer?
– A primeira coisa a se
dizer é para não fazer mais cálculos. Não é provável que mais
matemática funcione, porque esse é o causador da ansiedade. Tente lidar
com o problema usando métodos simples, como relaxamento e exercícios de
respiração. Fizemos um estudo em que colocamos as pessoas em exercícios
de relaxamento. Os níveis de ansiedade caíram, e elas foram capazes de
resolver mais problemas – diz.
Para Flora, uma ajuda extra para
redescobrir o básico e uma abordagem suave na nova escola começaram a
gerar benefícios, e ela passou a acompanhar as lições gradualmente.
Flora tem estado mais feliz e menos estressada, o que Michael Roach, seu
diretor na escola John Ball, aponta como o possível segredo:
– O
que temos observado nos últimos anos é que a luta contra a ansiedade e a
melhora na autoestima das crianças podem ser a chave, já que aumentam a
confiança. Uma vez que a ansiedade se estabelece, pode ser muito
desafiador vencê-la. Trabalhamos arduamente para tornar a matemática
relevante dentro de um contexto da vida real e, acima de tudo,
divertida.
KATE BRIAN | The Guardian
Fonte: Jornal Zero Hora