segunda-feira, 20 de abril de 2009

A CRISE QUE ESTAMOS ESQUECENDO



O tema do momento é a crise financeira global. Eu aqui falo de outra, que atinge a todos nós, mas especialmente jovens e crianças: a violência contra professores e a grosseria no convívio em casa. Duas pontas da nossa sociedade se unem para produzir isso: falta de autoridade amorosa dos pais (e professores) e péssimo exemplo de autoridades e figuras públicas.
Pais não sabem como resolver a má-criação dos pequenos e a insolência dos maiores. Crianças xingam os adultos, chutam a babá, a psicóloga, a pediatra. Adolescentes chegam de tromba junto do carro em que os aguardam pai ou mãe: entram sem olhar aquele que nem vira o rosto para eles. Cumprimento, sorriso, beijo? Nem pensar. Como será esse convívio na intimidade? Como funciona a comunicação entre pais e filhos? Nunca será idílica, isso é normal: crescer é também contestar. Mas poderíamos mudar as regras desse jogo: junto com afeto, deveriam vir regras, punições e recompensas. Que tal um pouco de carinho e respeito, de parte a parte? Para serem respeitados, pai e mãe devem impor alguma autoridade, fundamento da segurança dos filhos neste mundo difícil, marcando seus futuros relacionamentos pessoais e profissionais. Mal-amados, mal-ensinados, jovens abrem caminho às cotoveladas e aos pontapés.



Mal pagos e pouco valorizados, professores se encolhem, permitindo abusos inimagináveis alguns anos atrás. Uma adolescente empurra a professora, que bate a cabeça na parede e sofre uma concussão. Um menininho chama a professora de "vadia", em aula. Professores levam xingações de pais e alunos, além de agressões físicas, cuspidas, facadas, empurrões. Cresce o número de mestres que desistem da profissão: pudera. Em escolas e universidades, estudantes falam alto, usam o celular, entram e saem da sala enquanto alguém trabalha para o bem desses que o tratam como um funcionário subalterno. Onde aprenderam isso, se não, em primeira instância, em casa? O que aconteceu conosco? Que trogloditas somos – e produzimos –, que maltrapilhos emocionais estamos nos tornando, como preparamos a n
ova geração para a vida real, que não é benevolente nem dobra sua espinha aos nossos gritos? Obviamente não é assim por toda parte, nem os pais e mestres são responsáveis por tudo isso, mas é urgente parar para pensar.

Na outra ponta, temos o espetáculo deprimente dos escândalos públicos e da impunidade reinante. Um Senado que não tem lugar para seus milhares de funcionários usarem computador ao mesmo tempo, e nem sabia quantos diretores tinha: 180 ou trinta? Autoridades que incitam ao preconceito racial e ao ódio de classes? Governos bons são caluniados, os piores são prestigiados. Não cedemos ao adversário nem o bem que ele faz: que importa o bem, se queremos o poder? Guerra civil nas ruas, escolas e hospitais precários, instituições moralmente falidas, famílias desorientadas, moradias sub-humanas, prisões onde não criaríamos porcos. Que profunda e triste impressão, sobretudo nos mais simples e desinformados e naqueles que ainda estão em formação. Jovens e adultos reagem a isso com agressividade ou alienação em todos os níveis de relacionamento. O tema "violência em casa e na escola" começa a ser tratado em congressos, seminários, entre psicólogos e educadores. Não vi ainda ações eficazes.
Sem moralismo (diferente de moralidade) nem discursos pomposos ou populistas, pode-se mudar uma situação que se alastra – ou vamos adoecer disso que nos enoja. Quase todos os países foram responsáveis pela gravíssima crise financeira mundial.

Todos os indivíduos, não importa a conta bancária, profissão ou cor dos olhos, podem reverter esta outra crise: a do desrespeito geral que provoca violência física ou grosseria verbal em casa, no trabalho, no trânsito. Cada um de nós pode escolher entre ignorar e transformar. Melhor promover a sério e urgentemente uma nova moralidade, ou fingimos nada ver, e nos abancamos em definitivo na pocilga.

Lya Luft ( escritora)

domingo, 5 de abril de 2009

"QUALQUER JOGO, MAS NÃO DE QUALQUER JEITO"

JOGOS DE REGRA NO DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA

Jogos de regra podem ser um importante instrumento no diagnóstico psicopedagógico. As situações que surgem durante o jogo – escolhido livremente ou proposto pelo psicopedagogo permitem observar:
*como o sujeito usa seus próprios recursos cognitivos e expressa suas emoções,
*como compreende e como aprende instruções e regras do jogo,
*se aparecem respostas constantes do tipo: “Não sei”, “Não entendi”, “Esse é difícil”, “Mas…tem solução?”,
*o modo de enfrentar situações novas,
*o nível de atenção e o foco na tarefa,
*as indecisões para iniciar,
*para continuar,
*como enfrentar as dificuldades,
*seus esforços,
*o grau de paciência e persistência nas tentativas e estratégias,
*o nível de resistência à frustracão,
*as estratégias que usa para jogar – se faz planejamentos, antecipações,se joga “ao acaso” ou faz escolhas “refletidas”,
*se explora possibilidades ,
*o nível de solução de problemas,
*a lógica usada na busca de soluções,
*se pede ajuda ou não,
*se parece admitir que pode contar com a ajuda do psicopedagogo,
*o nível de autonomia ao jogar – quando já conhece o jogo/quando ainda não conhece o jogo,
*a ansiedade mobilizada pelo jogo,
*a agressividade,
*os medos, conflitos e defesas,
*como lida com o erro – o erro paralisante e o erro como estímulo para buscar novos caminhos,
*os argumentos que usa para justificar os erros e os acertos, como lida com o ganhar e o perder.

Os dados observados nos jogos de regra são analisados e integrados ao conjunto de dados obtidos durante a avaliação psicopedagógica para se chegar à Compreensão Diagnóstica.

Fragmentos de casos clínicos em que jogos de regra são utilizados no diagnóstisco psicopedagógico – como O Jogo da Velha, Quarteto, Resta Um, Cara a Cara, Can Can, Torre de Hanói, A Hora do Rush – são relatados e discutidos.
Os jogos de regra constituem também um dos pilares do trabalho de intervenção psicopedagógica: desempenham uma função estruturante que gera transformações e abre possibilidades de aprendizagem.

O jogo cria um espaço transicional – possibilita “conversar sobre o que realmente importa como se não importasse tanto”.
Ao experimentar acontecimentos totais – como os jogos de regra – a criança e/ou adolescente recupera a possibilidade de aprender com a experiência e pode transpor essa experiência para outras situações de aprendizagem.



Na situação de jogo, muitas vezes, o critério de certo errado é decidido pelo grupo. Assim, a prática do debate permite o exercício da argumentação e a organização do pensamento.
A participação em jogos de grupo representa uma conquista cognitiva, emocional, moral e social para o aluno e um estímulo para o desenvolvimento de suas competências.
Cada lance do jogo é uma decisão a ser tomada pela criança, portanto, pode-se ver o jogo como um exercício de decisão, o que equivale a um exercício de cidadania.
O jogo educa a atenção e, sendo agregativo, favorece a socialização.
O jogo estimula a criação de estratégias vencedoras, sendo portanto, uma verdadeira ginástica mental. É, ao mesmo tempo, um entretenimento sadio e uma forma subjacente de raciocinar.

O jogo é então um promotor de aprendizagens .
Enquanto joga a criança desenvolve:
*Iniciativa
*Imaginação
*Raciocínio
*Memória
*Atenção
*Curiosidade
*Interesse*Responsabilidade individual e coletiva
*Cooperação ( coloca-se na perspectiva do outro)

" A criança é, antes de tudo, um ser feito para brincar. O jogo, eis aí um artifício que a natureza encontrou para levar a criança a empregar a atividade útil ao seu desenvolvimento físico e mental. Usemos um pouco mais esse artifício. Coloquemos o ensino mais ao nível da criança, fazendo dos seus intintos naturais, aliados e não inimigos."
(CLAPARÈDE,1932)