segunda-feira, 4 de março de 2013

A PÍLULA DA POLÊMICA



Diagnósticos errados ajudam a fazer de Porto Alegre a capital brasileira líder em consumo de medicamentos para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

Como maior centro de diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) no país, é compreensível que a capital gaúcha acabe também tendo também o maior índice de casos da doença diagnosticados. Esses e outros fatores tornaram Porto Alegre a capital brasileira líder em consumo de medicamentos para o problema, segundo pesquisa divulgada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no último dia 18. Mas os especialistas admitem: muitas pessoas – entre elas, crianças e adolescentes – utilizam esses remédios sem necessitá-los.

Coletados a partir dos registros do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) da agência, os dados mostraram que, entre 2009 e 2011, o uso de metilfenidato – comercializado no Brasil com os nomes Ritalina e Concerta – aumentou 75% na faixa dos seis aos 16 anos.

Defensor da ideia de que o medicamento ajuda a reduzir um sério problema do desenvolvimento humano e infantil, o psiquiatra Luis Augusto Rohde, responsável pelo Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade do Hospital de Clínicas, concorda que, em muitos casos, a prescrição é feita indevidamente, em consultas rápidas. Entre os adultos, o problema maior são as pessoas que apenas desejam aumentar o desempenho nos estudos. Entre crianças e adolescentes, desatenção e agitação podem acabar justificando o uso do remédio.

A questão é que nem toda criança agitada e dis- traída tem TDAH. O diagnóstico é bem mais complexo do que isso, alerta a psicóloga Lilian Shontag. Mesmo que a criança apresente todos os sintomas – desatenção, impulsividade, baixa tolerância a frustração, tendência a se distrair facilmente e excessiva atividade em hora e lugar errados – pode não ter a doença.

No seu consultório, a psicóloga Alice Peres Duarte recebe inúmeras crianças com o problema diagnosticado. A maioria delas, no entanto, poderia estar recebendo um tratamento que não se encontra na farmácia:

– Vejo crianças muito novas sendo tratadas indevidamente. Da amostra que atendi, boa parte não precisaria estar sendo medicada. Precisava, sim, era de pais mais presentes.

Segundo Alice, são crianças ansiosas, carentes, que fazem uma série de peripécias para chamar a atenção. Elas têm um estilo de vida solitário e atitudes que, às vezes, extrapolam o limite da gracinha e resultam em comportamentos atrapalhados ou desatentos. E fazem isso para atrair o olhar dos responsáveis.

Os efeitos costumam ser notados na escola, quando professores diagnosticam dificuldade na aprendizagem ou veem crianças que querem fazer tudo ao mesmo tempo, mas não conseguem terminar nada. O fato faz com que alguns professores indiquem que os pais procurem tratamento. A psicóloga conta que vários pacientes chegam recomendados pelas escolas.

– Elas querem soluções a curto prazo. Mas muitas vezes a criança é encaminhada, medicada, e os conflitos continuam. Cada criança tem uma história. Não se pode uniformizar o tratamento.


Lara Ely





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