domingo, 22 de março de 2015

A importância dos objetos inseparáveis do bebê e da criança

Quem mergulha no baú musical dos anos 80 encontra o ursinho que consolava o apaixonado não correspondido. Só pra lembrar:
Meu ursinho Blau Blau
De brinquedo
Vou contar pra você um segredo
Só você mesmo pra me aturar
(…)
Ai, meu amigo Blau Blau de brinquedo
Diz pra ela esse nosso segredo
(…)
 
Ouvir segredos íntimos, estar ao lado, consolar. Servir de apoio, dar segurança. É isto que Blau Blau e tantos outros bichinhos de pelúcia ou tecido, cobertorzinhos, paninhos e travesseirinhos fazem na vida dos pequenos.
Denominados objetos transicionais pelo pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott (1896-1971), eles conferem às crianças suporte emocional, especialmente nos momentos de separação ou solidão. Sua importância é tão grande que até os personagens infantis os carregam consigo onde quer que estejam.
objetos transicionais
Quando os bebês nascem eles encontram-se num estado fusional com o ambiente – a mãe, outro cuidador ou objetos que lhe são apresentados. Eu-outro é vivido pelo bebê como um só ser.
Por volta do terceiro mês inicia-se a transição de ser um para ser dois. Com ela, é comum o bebê utilizar a ponta do lençol, da fronha, do cobertor, do paninho usado para arrotar, da própria orelha, ou mesmo chupar o dedo ou emitir pequenos sons para minimizar a angústia presente nos momentos de ruptura. Do mesmo modo, se o bebê tem à disposição brinquedos macios ou chupeta, estes podem cumprir com esta função acalentadora.
A maioria dos bebês elege um objeto transicional entre o quarto e o décimo segundo mês de vida. No entanto, alguns bebês não escolhem um objeto que simbolicamente substitua a proteção materna. Isto só deve ser motivo de preocupação quando não é dada ao bebê a oportunidade dele ter sempre ao seu lado o mesmo objeto (a constância do objeto é tão importante quanto à constância do ambiente para o bebê sentir-se seguro), ou quando, em casos mais raros, a escolha fica inviabilizada em função de um sofrimento psíquico que impede o bebê de viver os estados de ruptura – ou seja, ele encontra-se patologicamente fundido à mãe (comum nas psicoses) ou totalmente isolado em seu mundo interno.
Quando os bebês começam a balbuciar, normalmente inventam um nome para seu “companheiro”, geralmente utilizando som muito parecido com o da pronúncia da palavra que o adulto o denomina – Fafá, para uma fraldinha;Au, para um cachorrinho; Tatá, para uma chupeta. É como se eles tivessem uma vida real. Por isso, qualquer tentativa de substituição do objeto eleito é vivenciada pela criança como uma agressão. Aliás, não é preciso nem tentar trocar um objeto por outro; basta lavá-lo e seu cheiro e toque serem modificados para a criança não reconhecê-lo como seu.
Ao mesmo tempo em que os objetos transicionais são inseparáveis e muito amados pela criança, eles também podem ser momentaneamente odiados. Por isso, não é incomum a criança arremessá-lo para longe, arrancar-lhe um pedaço, pisar em cima dele. Mesmo “destruído”, a criança perceberá que seu objeto amado continua existindo, não como algo físico, mas como algo que o conforta nas transições presença-ausência materna (ou do cuidador), como na hora de dormir, nas despedidas e nas situações desconhecidas. A criança faz com seu objeto amado o mesmo que faz com os pais: ama-os, mas pode odiá-los em alguns momentos. Aos pais, fica o desafio de sobreviver à segunda parte!
Os objetos transicionais não tem idade para serem deixados de lado. Uma vez que a criança o despreze, ela pode querê-lo de volta num momento mais delicado de sua vida, como nas situações de mudanças ou doenças. Se ela já não o encontra mais, ela pode implorar pelo objeto relegado ou eleger um novo. É como se ela pedisse um colinho, um consolo, como na música do Ursinho Blau Blau. Nessas horas, se não há ursinho, paninho, chupeta ou afins, a presença efetiva dos pais é fundamental para que ela possa atravessar a dificuldade com mais segurança e inteireza. Os objetos substitutos são importantes; os reais, imprescindíveis!

Um comentário:

Ninguém cresce sozinho disse...

Este texto foi originalmente publicado em 04/11/2013, no blog Ninguém cresce sozinho: http://ninguemcrescesozinho.com/2013/11/04/a-importancia-dos-objetos-inseparaveis-do-bebe-e-da-crianca/