quinta-feira, 3 de abril de 2014

Errar é importante

Brasil tem nota baixa em ranking de ensino

Teste com 85 mil estudantes de 15 anos, em 44 países, coloca estudantes brasileiros entre os piores na capacidade de solucionar problemas ligados a questões cotidianas. Segundo especialistas, causa do mau desempenho está na abordagem dos conteúdos

Diante de questões como escolher o trajeto mais curto em uma linha de metrô ou regular um aparelho eletrônico seguindo certas instruções, os brasileiros tiveram um dos piores desempenhos entre 85 mil jovens de 44 países.

O questionário aplicado a estudantes de 15 anos, para avaliar sua capacidade de solucionar problemas concretos, pôs o Brasil na 38ª colocação, conforme divulgou ontem a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

As questões do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) exigem que o estudante acione determinados processos cognitivos e correspondem a diferentes níveis de complexidade, classificados de 1 a 6. A média dos brasileiros foi de 428 pontos, bem abaixo dos asiáticos que lideram o ranking – Cingapura (562 pontos), Coreia do Sul (561) e Japão (552).

Nos países que ficaram nas primeiras posições, 11% dos estudantes responderam corretamente às perguntas de nível 5 e 6 – as mais complexas. No Brasil, o percentual foi de 2%.

A professora do Laboratório de Estudos Cognitivos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Diuali Fagundes Jost sintetiza a explicação para o fraco desempenho dos alunos em uma frase:

– Não são as escolas que ensinam, mas os alunos que aprendem.

Para ela, as instituições brasileiras focam mais a abordagem dos conteúdos do que a troca de conhecimentos e a construção do aprendizado. Assim, o aluno precisa ser motivado a aprender: quem foi ensinado simplesmente cristalizou – às vezes, decorou – um conhecimento, enquanto quem efetivamente interagiu e foi instigado a buscar respostas acostumou-se a achar soluções pelo próprio esforço.

O fraco desempenho não preocupa o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Chico Soares. Para ele, o resultado é um indicador de que a política educacional do país está no caminho certo. Como exemplo, Soares cita o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujas questões envolvem situações cotidianas, sinalizando para a necessidade de uma formação escolar voltada para a vida:

– Na América Latina, só o Chile está à frente do Brasil. Nas perguntas de nível 5 e 6, que são as da inovação, a diferença entre o Brasil e os países mais consolidados é a menor em todas as edições do Pisa. Isso nos mostra que a educação está caminhando.

A avaliação é aplicada desde 2000, de três em três anos, para medir a proficiência de estudantes em leitura, matemática e ciências. Esta foi a primeira vez que o teste mediu a capacidade dos alunos de solucionar problemas. Os resultados nas outras áreas do conhecimento haviam sido divulgados em dezembro de 2013 e colocam o Brasil em 58º lugar dentre 65 países – em 2009, o país ocupava a 54ª posição.

Segundo a OCDE, alunos que se dão bem em matemática, leitura e ciências tendem a mostrar maior rendimento na solução dos problemas, porque estão mais bem equipados para desenvolver representações mentais coerentes, planejar de forma focalizada e mostrar flexibilidade para incorporar informações.
HELOISA ARUTH STURM E TAÍS SEIBT


                       Errar é importante

O resultado da avaliação mostra a necessidade de se repensar algumas práticas adotadas em sala de aula. Deve-se dar mais ênfase ao desenvolvimento das habilidades não cognitivas e à chamada avaliação formativa, quando o professor comenta com os alunos suas fortalezas e debilidades, focando o processo de aprendizagem.

Não se trata simplesmente de verificar se o aluno sabe ou não sabe, se está certo ou errado, mas como ele chega às respostas. No Pisa, os estudantes que informaram que recebem avaliações formativas reportaram níveis altos de perseverança e abertura para a resolução de problemas. O erro, inclusive, deve ser considerado no processo de aprendizagem, segundo Flavio Comim, professor de Economia da UFRGS, um dos coordenadores do projeto Círculo da Matemática no Brasil.

– Quando um aluno diz uma coisa errada, e o professor passa para a próxima resposta sem considerar aquilo que foi dito, ele perdeu aquele aluno no raciocínio que estava tentando construir. O erro é importante do ponto de vista da inclusão. Ele tem de aparecer no quadro-negro também.

O resultado mostra ainda a importância de o aluno se dedicar a problemas sem solução imediata. No Japão, um dos países com melhores notas, todos os estudantes têm a chance de se engajar em estudos profundos. Os professores trabalham com a ideia de que tempo de projeto é tempo de aprendizado.

Mas é preciso considerar o contexto em que os estudantes vivem, segundo Elisabete Zardo Búrigo, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática na UFRGS, já que algumas questões do exame mostram situações cotidianas com as quais a maioria dos brasileiros não está familiarizada. Para a especialista, os testes de múltipla escolha são limitados, e seria preciso criar instrumentos de avaliação nos quais os alunos possam mostrar a forma como pensam.


Fonte: jornal  Zero Hora 02/04/2014

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