"A timidez, inesgotável origem de tantas infelicidades na vida prática, é a causa direta, mesmo única, de toda a riqueza interior" (Emil Cioran)
Não seria um exagero afirmarmos que existe entre nós uma espécie de "ditadura da extroversão", fenômeno gerado pelo fato de priorizarmos, a partir da educação infantil, valores materialistas que combinam com os valores da sociedade de consumo na qual estamos todos inseridos. Porém, este artigo não tem a intenção de aprofundar no sentido sociológico ou psicológico esta questão, e sim, possibilitar ao leitor que faça a sua reflexão a respeito do tema em análise.
Esta abordagem é baseada em uma realidade social: a existência de pessoas consideradas tímidas ou retraídas que geralmente procuram no atendimento psicoterapêutico, a razão de se sentirem diferentes ou à parte de um modelo comportamental vigente na sociedade, que foca na extroversão, o traço de personalidade ideal para que o indivíduo vença na vida...
No entanto, na intimidade dos consultórios, percebemos que essas pessoas catalogadas como "introvertidas" pela ótica de valores da produção e do lucro, possuem em sua maioria, potencialidade intelectual e criativa que permanece latente, ou seja, à espera de uma oportunidade de serem compreendidas e aceitas no "mundo dos extrovertidos". Na verdade são indivíduos estigmatizados - e sutilmente discriminados - por um modelo sócio-comportamental que exige da pessoa, a "marca da extroversão na testa" como condição básica para conseguir sucesso na vida...
Ledo engano! Há milhares de anos o homem persegue a fórmula do equilíbrio vital, que não está nos extremos, mas no meio de forças antagônicas que ao se aproximarem, se completam. Há séculos, as ricas culturas religiosas da India e da China dominam esse conhecimento, que somente a partir do Terceiro Milênio começa a difundir-se no mundo ocidental como nova diretriz para o processo de autoconhecimento do indivíduo.
O que seria da humanidade se existissem somente indivíduos extrovertidos ou introvertidos? Certamente haveria entre nós, seres dotados de inteligência, um desequilíbrio de proporções desconhecidas ou inimagináveis, que teria repercussão no âmbito social e alterado completamente os estudos sobre a natureza humana baseada em sua heterogeneidade comportamental.
O Dicionário da Lingua Portuguesa, define o termo "preconceito" como uma idéia preconceituosa, em geral sem fundamento; intolerância. O mesmo dicionario define o indivíduo "tímido" como aquele que tem temor, receio ou que apresenta dificuldade de relacionamento social. E completa com sinônimos: "acanhado, retraído, débil, frouxo".
Se considerarmos as suas características comportamentais, o tímido é um indivíduo "introvertido", ou seja, voltado para dentro de si ou para a própria vida interior, ou ainda, uma pessoa "introspectiva" que tem o hábito de examinar os próprios pensamentos e sentimentos.
Pelo mesmo ângulo de análise do comportamento humano, temos o antônimo de introversão, que é a pessoa considerada "extrovertida", de fácil relacionamento social, comunicativa, expansiva e que por isso, expressa mais seus pensamentos e sentimentos...
Se entre nós houvesse a predominância absoluta de um desses dois traços de personalidade individual humana, perderíamos com a inexistência de indivíduos extrovertidos, parte de nossa capacidade criativa aplicada nas grandes realizações e descobertas, assim como grande parte do entusiasmo que move o progresso material dos povos através de iniciativas pessoais nos âmbitos social, econômico, político e científico de uma maneira geral. E com a falta de indivíduos introvertidos, a humanidade perderia a sua capacidade de interiorização filosófica, científica - através da pesquisa e investigação -, e transcendental-religiosa, o que tornaria o homem mais dependente do imediatismo decorrente de seus pensamentos, emoções e sentimentos.
Portanto, a timidez - ou introversão - não leva consigo o "atestado" da impotência ou da doença, e sim, um traço de personalidade passível de mudança no sentido de que o indivíduo busque uma melhor conexão com a expansividade natural que a vida lhe oferece. O mesmo raciocínio aplica-se à extroversão como um traço de personalidade em que o extrovertido também deve buscar uma melhor conexão com a capacidade de interiorização que a vida costuma oferecer...
A partir do Terceiro Milênio, gradualmente, o comportamento humano começa a sofrer alterações, e o equilíbrio comportamental entre a capacidade criativa do extrovertido e a capacidade reflexiva do introvertido, torna-se referência para aqueles que desejam evoluir e mudar seus conceitos - e preconceitos - baseados em modelos sócio-culturais. Vejamos o exemplo dos Estados Unidos e da India, embora essa nação seja considerada emergente na avaliação do modelo capitalista. São realidades distintas, isto é, E.U.A a meca do capitalismo e de valores materialistas, e a India, referência mundial de religiosidade e de valores espiritualistas. E dessa forma, entre o oriente e o ocidente, teríamos vários exemplos a registrar...
Quando percebermos o preconceito gerado pela introjeção de valores materialistas que incidem sobre a distinção que fazemos entre uma pessoa considerada extrovertida, portanto aberta, expansiva e comunicativa, e outra, considerada introvertida, portanto "frouxa, retraída e débil", conforme sinônimos encontrados no dicionario, verificaremos, que através de imperceptíveis valores culturais internalizados, sutilmente discriminamos o traço tímido-introvertido de personalidade que deveria coexistir em harmonia com o tipo expansivo-extrovertido.
Informa-nos um dito popular "que na natureza humana os extremos se completam". É justamente esse olhar... essa percepção que precisamos aguçar para entendermos que introversão e extroversão completam-se no centro, isto é, no ponto de encontro de suas diferenças fundamentais. E que, independente do paradígma materialista que ofusca a nossa visão interdimensional, devemos sair em busca desse ponto de equilíbrio até atingirmos a completude e felicidade possível.
Em relação ao comportamento humano, talvez esse seja o nosso maior desafio do Terceiro Milênio: encontrar a unidade entre os polos energéticos que predominam na natureza humana. E a partir desse processo íntimo, cada indivíduo, seja ele reservado ou expansivo, caminhar ao encontro daquilo que lhe falta no atual momento de sua existência terrena, porque tudo é aprendizado e jamais aprenderemos se não sairmos em busca do que precisamos para transformar a si mesmo e ao mundo em que vivemos.
Flavio Bastos
Psicanalista Clínico e Interdimensional.
http://somostodosum.ig.com.br/clube/artigos.asp?id=18820
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