terça-feira, 17 de novembro de 2009

Que se passa?



Que se passa?

(Iara Caierão)

O que se passa?
O que acontece contigo?

Tuas mãos não te obedecem.
Teus dedos rijos,
Não querem também obedecer!

Que se passa, menino,
Em tua cabeça,
Em teu coração?

Quanto padece teu corpo!
Quanto padece teu ser!
Ao saber não saber
Que és capaz de também aprender,
Do teu jeito,
Do teu modo,
Também ler e escrever!

Quem te disse que não podes,
Que não sabes,
Que não vais aprender?
O que se passa?
Que se passa contigo?
Não lembras as cores?
As letras, os números?
Nem mesmo teu nome
Consegues escrever?

No entanto,
Carregas um desejo gigante
De mais conhecer!
Perguntas,
Perguntas...
Tu fazes que não sabes
E sabe que sabe
Mas não podes dizer!

Se esconde,
Se mostra
Se veste e reveste
Se transveste
Para que não o descubram
Capaz de aprender!
Onde foi que deixaste
Tua vontade de ser?
Onde foi que enterraste
Teu "sonho-rojão"?
Teu desejo?

Desejo que é vida
Que é ar,
Que é pão.

Onde foi que te esqueceste,
Te perdeste,
Te encolheste,
Como quem quisesse
Da vida abrir mão?

Foi um veredito:
"não vais aprender"?
Ou quem sabe,
Cansou de lutar para mostrar
Que também tu podes
Do teu jeito aprender?


Suscitas-me perguntas,
Interrogações profundas,
Quase sem respostas...
Desperta-me dúvidas
Não sobre ti,
Mas sobre o meu saber,
Tão certo!
Tão igual!
Tão reconhecido, instituído, oficial!

Nas tuas limitações,
Eu vejo as minhas!
Nas tuas dificuldades,
Encontro o meu "não saber"!
És espelho que reflete
O meu "saber-não-saber".
Conhecimento sem corpo
E sem palpitação

Diante de ti,
conecto-me com meu desconhecido,
Com minha ignorância,
Com minha descoordenação motora,
Com meus dedos rijos,
Com minhas mãos duras e indomáveis,
Com minha pouca percepção,
Não de cores e formas,
Mas de mim mesma...

Que se passa menino?
Que acontece contigo?

Concordas com quem diz:
"Nada podes saber!?"
Pois nasceu roxo, fraquinho,
Pequeno e sem ar
Por isso não pode agora aprender...

Que grande mentira!
Disseram-te um dia!
Sonegando-te o direito
De descobrir e aprender!

Ninguém desaprende
O que um dia aprendeu,
Esconde ou rejeita,
Engana ou empana!
Mas tirar o que em vida
A experiência lhe deu,
Nem mágica!
Nem feitiço!
Consegue tirar!

Que se passa menino?
Que acontece contigo?

Bem sabes que sabes,
Bem sabes que do teu modo,
Do teu jeito,
Fazes tua escola e teu saber
Fazes-te aprendente e ensinante
Sujeito e objeto
do teu próprio saber.

A escola te rejeita,
Te enjeita
Pois não marchas
no rítmo que querem
Não respondes em refrão
Não cantas os hinos em coro
Não pedes a benção
Nem beijas a mão...

Pensar diferente tem preço!
Pensar diferente dói
e faz pagão!
Excluídos da escola
Mas não do saber!
Ser diferente do bando,
Da turma,
Não prova que não saiba aprender
Nem sabes, menino,
Que na tua limitação,
Na tua diferença,
No teu jeito de ser,
Aparentemente tão pobre,
Incapaz e desinteligente,
Tens sido pra mim,
A cada sessão,
Um mestre,
Um irmão,
Um ensinante,
Que nada garante,
Mas deixa-me ser...

Que se passa menino?
Que acontece contigo?

Alfabetiza-me na cartilha
Do teu "não-saber",
Para que eu possa descobrir
O sabor da leitura,
E o prazer da escrita
De um texto que ainda não li.


***

Este poema é dedicado ao "ser especial"

(portador de necessidades especiais)


Um comentário:

Jane disse...

Lindo!!!
Estou rodeada por esses meninos!!!!!