domingo, 12 de dezembro de 2010

Pais compram trabalhos escolares


Zero Hora revela nesta reportagem como funciona esse mercado da educação(12/12/10)



Em um ato de desespero para buscar a aprovação dos filhos, famílias contratam professores para resolver questões no lugar dos filhos, estimulando um mercado condenável do ponto de vista do ensino e dando um péssimo exemplo para a formação dos estudantes.
Por R$ 40, R$ 60, o ano letivo de um aluno dos ensinos Fundamental ou Médio pode estar garantido. Esses são alguns dos preços que pais estão pagando a professores de aulas particulares para executarem os trabalhos escolares dos filhos e, assim, engordar a nota final dos filhos, obtendo aprovação.

Sem qualquer participação dos estudantes, profissionais que deveriam educar se aproveitam do desespero e despreparo de famílias para faturar num mercado imoral e também criminoso compactuado por mães e pais.

Zero Hora comprovou essa realidade que ajuda a desfigurar ainda mais a já precária educação brasileira. A reportagem encomendou e comprou de dois professores da Capital trabalhos de matemática que, hipoteticamente, ajudariam a passar de ano um adolescente de 15 anos. Acompanhou também a tentativa de uma mãe para resolver o problema do filho, que arrisca rodar de ano, novamente, numa escola de Porto Alegre.

Com um trabalho de biologia para ser entregue no mesmo dia, essa mãe – que não será identificada para que o garoto permaneça no anonimato – tentava achar alguém que resolvesse as questões. Ao ligar para ela, a reportagem se passou por um professor interessado em fazer a tarefa. Ela já tinha achado um profissional para o serviço, mesmo assim falou de sua intenções:

– Quero que ele passe de uma vez.

Em poucos segundos de conversa, ela revela o seu desespero:

– Está difícil, não adianta mais dar sermão. Se não for assim, não avançam.

Perguntada se o professor escolhido faria as questões ou ensinaria, ela titubeia, sem explicar:

– Ele vai fazer, são só três questões. Mas acho que vai ensinar, acho até melhor que ensine do que fazer pronto, né?

Com o fim do ano se aproximando, os telefones de professores de aulas particulares tocam com muito mais frequência do que o normal. A maior parte procura ajuda para que ensinem seus filhos na última hora, mas alguns buscam o caminho mais curto, pensando exclusivamente em garantir a aprovação.

– Tem muito pai que pede mesmo. Nós orientamos, mas eles não querem saber – revela a secretária de uma escola especializada em aulas particulares.

“O que leva um pai a chegar a esse ponto?”

Nos corredores escolares, a prática não é nova e se infiltra perigosamente nas salas de aula. A diretora da Associação dos Orientadores Educacionais do Estado, Rosângela Diel, lamenta o protagonismo dos pais.

– A gente sabe que existe, mas ver se concretizar assim é bem assustador. O que leva um pai a chegar a esse ponto? – indaga Rosângela.

O pânico da reprovação é o motor que empurra esse pais para essas soluções sombrias, segundo a psiquiatra Nina Furtado, da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul.

Rodar de ano tem uma conotação de fracasso. Não é visto como aprendizado para melhorar. Os pais se perguntam: onde falhei como pai? Ou por que não tive um filho de sucesso? A dificuldade de lidar com isso faz os pais partirem para atitudes extremas e desesperadas como esse péssimo modelo – diz Nina.

Para a especialista, pais que apelam para esse recurso perdem de vez o respeito com os filhos.

– Os pais cobram dos filhos atitudes que eles mesmos não têm. Como vai cobrar ética e bom comportamento? Para os jovens, os fins vão justificar os meios. Situações como essa atacam a base da sociedade, que é a família – pontua.

Para o doutor em psicologia infantil e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernando Becker, esses pais estão ensinando os filhos a delinquir:

Desse jeito, os filhos podem pensar assim: posso faturar uma grana fácil vendendo droga, por que não? É o extremo oposto de qualquer processo educacional. Quando um pai chega a esse nível, já tem um longo trajeto de concessões e de falta de atitudes enérgicas e de moral.

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